C. F.
Esta palavra é introduzida na mensagem de bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações Sociais (ver na 1.ª página), este ano na sua 42.ª realização. Este Dia Mundial proposto pela Igreja à reflexão dos católicos, dos cristãos e de toda a sociedade humana surge na esteira da dinâmica lançada pelo Concílio Vaticano II, sobretudo da sua exortação pastoral Gaudium et Spes, Constitui assim uma entre muitas propostas conciliares para a interacção entre a Igreja e a sociedade humana, em todas as suas dimensões vitais e criadoras.
Muito se transformou o mundo e as mentalidades desde então para cá. Quarenta e dois anos é muito tempo na vertiginosa evolução que se tem vindo a verificar neste campo da socialização e da interacção entre regiões e povos, e sobretudo nos processos e tecnologias da informação e da comunicação.
No entanto, os princípios propostos pela doutrinação da Igreja que se tenta sempre aproximar à realidade quotidiana continuam a possuir o mesmo valor e as mesmas virtualidades, com mais ou menos globalização.
O fenómeno da globalização não foi um projecto lançado por ninguém, por nenhum país, por nenhuma organização internacional, por nenhuma Universidade ou departamento governamental, por mais poderoso que seja. É o resultado quase involuntário ou inconsciente (só se toma consciência dele quando já está em acção). É apenas mais um elemento constitutivo daquele princípio bíblico original que afirma: Dominai a terra. Dominar significa aqui aperfeiçoar, potenciar, participar numa acção criadora em que o homem partilha a imagem e semelhança divina. Dominar não é destruir, mas edificar e aperfeiçoar. É da conjugação, coordenada ou não coordenada, entre investigações em múltiplos campos que se gerou o fenómeno agora designado por globalização.
Há dois séculos ninguém imaginava as potencialidades que aquilo a que chamamos natureza poderia facultar à condição humana, que no entanto, estranhamente permanece a mesma. Ler os pensadores antigos mostra como, se tecnologicamente tudo mudou, humanamente tudo permanece.
Um dos sectores em que mais se afirmaram as transformações foi o domínio das ciências da vida; outro o das tecnologias da comunicação, que originam uma nova forma de encarar o relacionamento humano. O exercício do poder está hoje menos nos gabinetes de decisão governamental do que nos processos complexos pelos quais são transmitidas. E se o cidadão dispõe de mais e melhores formas de conhecimento das leis e normas, também tem mais e melhor acesso às formas de as iludir e delas se esquivar.
Mais profunda porém é a questão de formação das mentalidades e das práticas sociais. Somos inconscientemente edificados na nossa personalidade e nos modelos de entendimento da vida, por formas de agir produzidas nos media, que se transformam em formas de pensar e de viver os sentimentos e as emoções, e de construir os padrões morais e éticos de comportamento que depois se transformam em padrões de compreensão intelectual.
Hoje as coisas não são o que são, são como foram transmitidas. O que parece é. Pouco adianta o desmentido de uma notícia falsa, e muito menos do juízo de valor que ela sempre encerra. A velha imagem da mentira como pedra lançada cuja acção nunca mais se pode controlar tem perfeita actualidade. Diz a mensagem que em certos casos os media são utilizados não para um correcto serviço de informação, mas para «criar» os próprios acontecimentos. É o esquema diabólico da mistificação do real, e por ele do ideal, que faz morrer os grandes projectos e exaltar toda a maldade humana.
É neste sentido que surge a oportuna proposta de se transformar a reflexão sobre a sociedade moderna, seus conceitos assumidos ou aceites, suas formas de interagir, numa disciplina estruturada a que o documento de Bento XVI chama a infoética. Diz o texto: É actualmente necessária uma «infoética» tal como existe a bioética no campo da medicina e da pesquisa científica relacionada com a vida.
Uma reflexão sobre este tema foi ontem apresentada na Universidade Católica, por três personalidades bem conhecidas: D. Manuel Clemente, na qualidade de Presidente da Comissão Episcopal com o pelouro da comunicação social, por José Azeredo Lopes, na qualidade de Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e José Manuel Fernandes, director do diário Público. É certo que se procuram consensos neste domínio: qualquer publicação dirá no seu estatuto editorial que procura sempre a verdade dos factos e a ética nas suas formas de intervir socialmente. Porque a informação é cada vez mais intervenção. No bom e no mau sentido.
É também cada vez mais subtil a distinção clássica entre notícia e opinião. Cada vez mais as notícias nos são apresentadas como formas de opinião. Raramente um jornalista se assume apenas como divulgador de factos ou acontecimentos.
O primeiro critério, o da selecção, é já um processo de actuação ideológica. Outro critério, o da repetição, é subtilmente utilizado para exaltar ou denegrir pessoas ou instituições. Mais para denegrir que para exaltar.
A ética nestes domínios é parente pobre, que está sempre de acordo com o que é feito.
Quando a comunicação perde as amarras éticas e se esquiva ao controlo social, acaba por deixar de ter em conta a centralidade e a dignidade inviolável do homem, arriscando-se a influir negativamente sobre a sua consciência diz o texto.
Não é isto que todos os dias verificamos na comunicação social?